
ACONTECEU NA ILHA ANCHIETA:
PODERIA TER SIDO CHAMADO DE GENOCÍDIO… UM NOSSO GENOCÍDIO!
(publicado no jornal Matéria Prima, de Taubaté, nº 84, setembro 2022)
Se eu fosse leviano, como alguns moderninhos modernamente o fizeram, chamaria de genocídio. Mas, não; genocídio é o extermínio, ou assassinato, deliberado, total ou parcial, de uma população determinada.
Bem, morreram, em 100 dias, 151 pessoas, em sua grande maioria crianças, todas pertencentes aos povos búlgaros e gagaúzos, provenientes da Bessarábia, antiga província russa, hoje a Moldávia.
Estavam presos, pouco mais de dois mil imigrantes provenientes daquela região, numa ilha localizada no Litoral Norte paulista. Presos sim, pois foram obrigados a embarcar num trem de carga — ah, vocês com certeza agora se recordam dos trens de carga abarrotados de judeus que eram levados aos campos de concentração, onde a maioria foi assassinada — e depois, por via marítima, até chegarem a esta ilha. Obrigados, sob a vista de fuzis e da cavalaria, da nossa gloriosa Força Pública, atual Polícia Militar estadual, sob ordens do governo paulista. Presos sim, pois, na ilha dos Porcos, mais conhecida por todos como a paradisíaca Ilha Anchieta, fronteira à Ubatuba, ficavam sob guarda armada da polícia e sob comando inepto e despreparado dum preposto do governo. Aliás, estavam, tudo e todos, despreparados; por exemplo, não havia alimento suficiente.
E porque motivo foram assim confinados? Ah, porque se revoltaram, ao chegar à Hospedaria dos Imigrantes, no bairro do Brás, São Paulo, capital, e aí ficaram sabendo, por notícias que chegavam, das péssimas condições de vida e de trabalho a que estavam destinados em fazendas no interior paulista. Não quiseram ir. Bem, foram! À força, para a ilha dos Porcos.
Tentaram se organizar; acharam comida, plantada: mandioca! O pão dos pobres. Era mandioca brava, e não sabiam como preparar. Afinal, não havia lá indígenas ou caiçaras que pudessem ensinar o modo correto de preparo para neutralizar o veneno. Os funcionários do governo? Tinham comida separada.
Morreram 151 pessoas, na maioria crianças. Apavorados com o acontecido e não sabendo como acobertar o fato, após três meses de reclusão foram todos realocados pelo governo. Terminou o massacre. Que foi denunciado pela imprensa.
Não foi um assassinato deliberado. Foi um assassinato em massa por desleixo, negligência, prepotência. O Estado, o grande Estado, sabe o que é melhor para o cidadão, não é assim?
Isso aconteceu em 1926, tanto tempo que não nos interessa, não é?
Como sei disso tudo? Sou ligadão!! Lendo os livros “IMIGRAÇÃO NO BRASIL – Búlgaros e gagaúzos bessarabianos” Editora Legis Summa Ltda. 2005 e “CASTIGO E MORTE – búlgaros e gagaúzos bessarabianos na ilha Anchieta, Ubatuba-SP Brasil”, de 2019, edição do autor, que o foi dos dois: JORGE COCICOV, brasileiro nato, filho e neto de imigrantes búlgaros bessarabianos, nascido em Mogi das Cruzes-SP, capitão da reserva da Policia Militar de São Paulo, juiz de direito aposentado, etc., etc.
A primeira destas obras nos ensina belamente quem são os búlgaros e gagaúzos, sua terra, costumes, imigrações; personalidades no Brasil com esta origem. Bem ilustrada. A segunda obra se restringe mais aos funestos acontecimentos em terras de Vera Cruz, desde a origem ao triste desfecho.
Quase me esquecia: dia 18 de abril ficou instituído como “Dia municipal aos imigrantes búlgaros e gagaúzos bessarabianos”, em Ubatuba; data da primeira das 151 mortes. Não fiquei sabendo. Ubatuba se lembrou?
Ahh! Por que noticio estas memórias tristes? Não o sei… vocês sabem?